O MENINO DE VALLECAS TEMÁTICA Velásquez recolhe nesta tela a imagem de um dos membros da Corte de Filipe IV. Seu nome é Francisco Lezcano, mais conhecido como: o Menino de Vallecas. A presença entre os criados de seres humanos com defeitos físicos ou psíquicos era habitual nos ambientes palacianos da Europa do século XVII. Sua função primordial era entreter e divertir. Alguns destes homens ocuparam um lugar de maior responsabilidade ao serviço do rei. Esse foi o caso de Diego de Acedo, um anão que pertenceu à chancelaria do monarca. Francisco Lezcano foi retratado pelo artista por volta de 1637. O destino da tela era decorar a Torre da Parada. Não era a primeira vez que o artista escolhia-o como modelo. Ele está noutra obra, realizada em 1631. Naquela ocasião, ele está acompanhando o Príncipe Baltazar Carlos. Aqui ele é o único protagonista. Aparece sentado, segurando alguma coisa que parece um pedaço de madeira ou um maço de cartas. De seu gesto se poderia deduzir que ele teria sofrido uma paralisia facial. ANÁLISE TÉCNICA E ESTILÍSTICA O personagem aparece centrado na composição. Sua disposição segue um esquema triangular. Este se quebra com o escorço de sua perna, adiantada na direção do espectador. Este recurso técnico é de grande efeito, pois permite ao autor criar uma sensação de espaço mais verossímil. Velásquez divide em dois âmbitos o fundo do quadro. Situou o modelo na parte mais escura, que contrasta notavelmente com a claridade da paisagem esboçada no lado oposto. Este tratamento do cenário permite substituir a perspectiva geométrica na hora de conseguir profundidade. A gama cromática está composta de ocres, negros, cinzas e verdes. Uma luz lateral incide deliberadamente sobre o olhar perdido e as mãos do retratado. O claro-escuro modela e matiza suas fações e o pregueado de sua vestimenta. O autor perfila cuidadosamente a silhueta do personagem com uma pincelada longa e precisa. Esta contrasta com a suavidade e a leveza da paisagem. Do ponto de vista técnico e estilístico, a obra manifesta uma grande liberdade de realização. INTERPRETAÇÃO Como pintor de Câmara do Rei, Velásquez retrata os personagens que integram a família do monarca. No seu repertório de modelos se inclui também os servos. Este fenômeno se registrava já na pintura italiana do século XV. Loucos, anões e bufões tornam-se os motivos protagonistas da pintura. O mestre sevilhano não concebe estes personagens sob uma visão cômica ou caricaturizada Suas taras e defeitos são tratados com absoluta dignidade. O artista insiste em oferecer uma imagem carregada de realidade e humanidade. Esta representação carece de ostentação e do distanciamento próprio de um retrato real. O autor pode permitir-se a possibilidade de penetrar com agudeza na captação psicológica da figura. A esta licença se soma outra de tipo técnico. O pintor não se vê submetido às convenções exigíveis num retrato de membros da corte. Esta tela lhe serve de pretexto para reflexionar sobre seus recursos estilísticos.